

Tarot e Numerologia - Editora Espiral
por Luís Resina
A Estrada Iluminada
A verdadeira origem do tarot está envolta e coberta de mistério. Os relatos mais antigos que se conhecem referem-se à descoberta de 22 lâminas num dos templos do antigo egipto. Existem também referências e associações com o livro de toth atribuído a hermes, porém, somente no século xiv é que se tem conhecimento da difusão do tarot nalguns países da europa, nomeadamente, em espanha, itália e frança
Até aos nossos dias os baralhos foram sofrendo diversas alterações consoante o espírito da época. Assim, certas imagens foram trabalhadas e retratadas em função da captação e apreensão dos arquétipos ou princípios fundamentais nos diversos autores e ilustradores.
Não obstante, o tarot de marselha, tem mantido com muito poucas alterações a estrutura básica com a qual apareceu no final do século xv. Existem variadíssimos baralhos de tarot, porém, pela sua antiguidade não queria deixar de nomear o tarot de visconti. Neste trabalho apresento essencialmente o tarot de a.e. waite que apareceu a público por volta do ano de 1910. Este irá ser privilegiado, visto tratar-se de uma rectificação do tarot tradicional tendo como base certos princípios da tradição oculta. Há que realçar que waite foi um dos mentores da ordem hermética da golden dawn. Se bem que o tarot de marselha ilustre a vertente classicista ou tradicional, o de waite aponta para uma leitura mais de acordo com o ambiente ideológico e cultural do nosso século.
Ao aplicar uma estrutura numérica na relação dos Arcanos entre si, Waite procurou também enriquecê-los com símbolos provenientes de outras tradições. Este acréscimo veio trazer outras perspectivas e novos ângulos na análise de outros símbolos universais que, ao complementarem os anteriores, colaboram assim para a aproximação a uma linguagem que procura restabelecer o elo com o que se designa por Tradição Primordial. Segundo certos esoteristas esta representa a Fonte do Saber Universal. Na epopeia humana, tem servido como fonte de inspiração de temas, tais como o Graal ou a Pedra Filosofal.
Comparando o tarot de marselha com o tarot de waite encontra-se uma diferença nítida na estrutura numérica. Trata-se da troca numérica entre a justiça e a força. Neste caso, a justiça passa a ser o arcano xi e a força o arcano viii. Penso que a ideia de waite era colocar a justiça, que é também sinónimo de ordem e equilíbrio, no centro dos 22 arcanos.
Pessoalmente concordo com a mudança, mas, mais importante do que encontrar justificações teóricas, é ver na prática, pela identificação, o que se coaduna mais com a natureza de cada um. Assim cada pessoa deve testar ambos os arcanos na leitura interpretativa do mapa numerológico, para ver qual das cartas lhe faz mais sentido.
Pegando agora na etimologia da palavra Tarot, encontra-se nalguns autores as seguintes indicações: o prefixo Tar seria equivalente da palavra caminho; e o sufixo Ro corresponderia à palavra real. Juntando os dois elementos temos Caminho Real.
A divisão do Tarot pode ser feita com base nos seguintes pressupostos:
Os 22 Arcanos Maiores representam, neste esquema, o caminho de reintegração e de realização do Ser, o encontro com o Eu Superior, ou, por outras palavras, a busca da Pedra Filosofal. Eles estão em relação directa com a individualidade e com os principais ritos de passagem ao longo da vida (iniciações, transformações, alteração de estados de consciência...).
Os 56 Arcanos Menores representam os modos de actuação da personalidade ao nível do mundano, as lições necessárias para o seu desenvolvimento e as oportunidades e desafios nas questões mais relacionadas com o dia a dia. Os 56 Arcanos dividem-se em 16 figuras que representam diversos tipos de personalidade (personas ou máscaras), e 40 cartas numeradas de 1 a 10. Estas últimas estão em relação numérica com os Arcanos Maiores e são a sua expressão a uma oitava abaixo, isto é, a um nível mais concreto, existencial.
Os Arcanos Maiores descem somente ao nível do concreto quando aplicamos os seus princípios no esquema divinatório a situações objectivas, isto é, a questões do foro existencial.
Vinte e dois é o número dos Arcanos Maiores, vou agora tentar estabelecer a relação com a estrutura numérica simbólica, referente a este número.
Segundo a Cabala, o número 22 simboliza a manifestação do Ser no espaço e no tempo.
As 22 letras do alfabeto hebraico exprimem a estrutura do universo: assim, temos três letras de raiz, que estão em consonância com a divisão ternária presente nas diversas religiões; sete letras duplas que representam o ritmo básico da vida e doze letras simples que encontram correspondência no Zodíaco, o qual reflecte a forma como a unidade se desdobra no espaço e no tempo. Assim, temos a manifestação ternária associada ao espírito, os ciclos de sete relacionados com a manifestação anímica e os ciclos de doze que simbolizam a encarnação da alma no corpo, ou as diversas etapas que esta tem de transpor por intermédio da personalidade.
O nº 22 pode ser visto como a soma de 3+7+12 = 22.
Outra forma de analisar os 22 Arcanos Maiores é a partir da relação dos números três e sete. Podemos fazer uma divisão em três septenários, ou seja, 3×7 = 21, visto que o Mate ou o Louco do Tarot, representa o número zero no início do percurso e o número 22 quando se alcança o final da jornada.
Ao nível do nº 21, a individualidade (1) surge da diferenciação cósmica (2).
O Arcano 21 é o Mundo, este fecha o ciclo do Tarot ao nível da manifestação concreta, visto que o Mundo representa o ideal de perfeição no plano existencial. Vinte e dois é a nova unidade que surge do Mundo (21) mas que já não é deste mundo, 21+1 = 22 (o Louco).
Ainda segundo a Cabala, 22 é o número de elementos com que Deus criou o Mundo. No esquema da Árvore Sefirótica, vinte e dois são os caminhos que ligam as dez esferas ou emanações da divindade.
Em relação ao simbolismo do 22, há referências de outros aspectos noutros autores. Por exemplo: 22 é o número de polígonos regulares que se podem inscrever no círculo; 22 é o número dos capítulos do Apocalipse; a Cruz a três dimensões tem 22 faces. Dividindo vinte e dois por sete resulta (22÷7 = 3,14...) a sigla Pi que representa a relação entre o círculo e o quadrado, ou seja, o que habitualmente se designa por problema da quadratura do círculo. Outro aspecto interessante, ao nível do próprio sistema em que vivemos, é o ritmo de 22 anos presente no ciclo das manchas solares, visto que de onze em onze anos se perfaz um hemiciclo.
Partindo da divisão dos Arcanos Maiores em três septenários (3×7 = 21), temos então o seguinte esquema:
1º Septenário – Cartas compreendidas entre o mago e o carro, ou seja, de 1 a 7. Esta linha representa, essencialmente, os arquétipos fundamentais que estão ancorados no inconsciente colectivo. Em termos de percurso simboliza o processo de afirmação do ego, ou do eu, necessário numa primeira fase da construção da individualidade. Esta é representada pela última carta da linha – o carro. O caminho da individuação – do eu face ao mundo e à sociedade.
2º Septenário – Esta linha começa na força e termina na temperança, representa o caminho de busca e de significado interior. A alma prescruta-se a si própria. Contrabalançando a primeira linha de tónica afirmativa, em que a vontade e afirmação no mundo eram determinantes, temos agora um processo de mergulho ao nível interno, no qual a sensibilidade e o equilíbrio são as notas dominantes. Caminho de integração entre a alma e a personalidade, harmonização entre o exterior e o interior, representado pela última carta da linha – a temperança.
3º Septenário – a terceira e última linha começa no diabo e termina no mundo, ela representa a síntese das linhas precedentes, os resultados visíveis no mundo, a manifestação concreta, resultante do encontro entre alma e personalidade. A este nível temos a relação dinâmica entre essência e existência, entre potência e acto, unidos por um terceiro factor – o movimento, que engloba as duas polaridades. O mundo símbolo de totalidade, representa a dança cósmica, o equilíbrio dinâmico do masculino e feminino, activo-passivo....
O Louco é o Arcano Zero no início do processo. Sendo também o número vinte e dois no final, ele representa assim o Alfa e o Ómega, o início e o fim, a imersão no Todo, ou o retorno ao estado de indiferenciação inicial.
O Mago
Simbolismo e analogias
A unidade
Letra – Aleph
O Mago expressa o princípio da unidade na acção. Sendo o primeiro arquétipo, representa o princípio activo, o Yang em manifestação, o reflexo do pai celeste no plano da actividade. Ao nível humano, a unidade do espírito assume a forma de vontade, o poder criativo que move e dinamiza a matéria, o pólo passivo oposto e complementar do espírito. A unidade pressupõe afirmação do Ser; este, por sua vez, demarca a sua presença como entidade, isto é, individualiza-se. O número um é também representado pelo ponto no interior do círculo. A unidade pode assumir dois sentidos: primeiro, como ponto unificador, concentrando em si todas as potencialidades do Ser; segundo, como acto impulsionador, liga-se ao aspecto de libertação de energia pondo em movimento o que está latente. Ela possibilita assim a passagem da potência ao acto.
A figura do Mago apresenta os dois aspectos da unidade acima referidos. Primeiro, temos a vertente original, no sentido em que se enraíza no Absoluto, representada pelo símbolo do infinito no cimo da sua cabeça. Essa unidade celeste tem também a sua contraparte a nível terrestre ou corporal (a unidade do corpo), simbolizada no cinto em que a cabeça da cobra morde a respectiva cauda – o Ouroborus dos Alquimistas. Por sua vez, o princípio activo é representado pela postura das mãos que estabelecem a relação do que está em cima com o que está em baixo, do superior com o inferior, do Céu e da Terra. O bastão da mão direita é símbolo de poder e de vontade; a partir de cima, ele opera, age, torna-se o demiurgo, o agente criativo actualizando em si e na matéria o princípio celeste. A matéria é também representada no seu duplo aspecto: primeiro, como elemento activo e animado, rosas e lírios simbolizam a exaltação da Natureza; segundo, pelo seu aspecto passivo e potencial, simbolizado pelos quatros elementos dispostos na mesa. Os paus ou bastões representam o Fogo, as espadas ou gládios o Ar, as taças ou copas a Água e finalmente os oiros ou pentáculos simbolizam a Terra.
A consciência focalizada do Mago e a sua criatividade expressas a nível mental e físico conferem-lhe o poder de transformar a matéria, moldando-a ou cunhando-a com a sua marca intrínseca e individual. A magia é, na sua essência, um acto de libertação de energia. O seu executante tem a capacidade de transformar e alterar a qualidade vibratória da matéria, seja ao nível mental, emocional ou físico, visto que a matéria assume forma nestes diversos planos.
Aplica-se o princípio de que a energia segue o pensamento nos respectivos níveis em que a actividade se desenvolve; assim, qualquer estímulo mental ou emocional encontra reflexo no plano físico. Existe uma interpenetração dos vários planos energéticos, nos quais as partes interagem umas com as outras, estabelecendo as proporções que contribuem quer para a Unidade – o movimento ordenado do Todo, quer para a fragmentação das respectivas partes – o movimento caótico que, em determinado sentido, contribui em última análise para a harmonia do Todo.
Com o Mago iniciamos o primeiro trilho da Estrada. Trata-se do ponto de partida de um percurso em constante transformação. O desejo primordial da afirmação do eu conduz à separatividade; porém, o exercício da vontade ou da consciência focalizada pode devolver-nos ao caminho da unidade, através daquilo a que Jung chama “o processo de individuação”, ou, parafraseando Fernando Pessoa, “ Quanto mais individual, mais universal”.
A Papisa
Simbolismo e analogias
A Díade
Letra – Beth
O número dois simboliza a dualidade; esta resulta do processo de divisão ou refracção da unidade. A consciência de si mesmo surge como reflexo ou espelho da unidade. A reflexão e a análise fazem parte integrante da estrutura mental. A mente bipolariza-se na relação sujeito-
-objecto; ela desdobra-se na relação entre Ser e Não Ser, numa tentativa árdua para reconhecer o que é e o que não é.
O movimento do Um faz aparecer a dualidade – o ritmo binário, o contraste entre dia e noite, entre consciente e inconsciente... A representação geométrica do número dois é o segmento de recta, o hemiciclo. O dois representa a energia feminina (Yin), a natureza receptiva, a acentuação da vida interior, mas também a procura de equilíbrio na relação dos opostos.
A Papisa ilustra o tema da polaridade, mas deixa no ar uma auréola de mistério, como se nos quisesse dizer que há um segredo essencial que pertence a cada um descobrir. A figura ilustra um ser feminino no meio de duas colunas. Estas representam as colunas do Templo, mas também o aspecto da dualidade presente em toda a manifestação de vida. Na sua coroa vemos a unidade, representada pela esfera, assentar numa forma dual. Aos seus pés temos o crescente lunar, símbolo de crescimento e de desenvolvimento de todas as formas de vida. Aqui lidamos com o arquétipo maternal, a mãe celeste, o lado Yin que alimenta e nutre, os processos de vida a nível interno. Se bem que a nível exterior a Papisa denote passividade e receptividade, no seu aspecto interior ela é bastante activa, contendo em si os atributos ligados à gestação e à fecundidade.
A actividade interior da Papisa reflecte-se ao nível do conhecimento pessoal; é a intuição feminina que tem a capacidade de desvelar os aspectos latentes ou ocultos no plano do inconsciente. O aspecto subjectivo da verdade interna é aqui predominante. A Papisa cuida e nutre das partes essenciais do Ser; ela vela e aguarda o nascimento de um novo Ser – o filho, esperança de vida, reproduz-se a partir do mais íntimo e oculto dos processos.
O livro da Tora, o livro do conhecimento que ela tem no seu regaço, simboliza a sabedoria interna necessária para o desenvolvimento daquilo que está em germe ou que se encontra ainda na forma embrionária.
A reflexão e a análise surgem aqui como a forma de diferenciar o que é essencial, em contraste com o lado mais superficial das coisas. A Papisa procura conter em si os aspectos mais íntimos pela via da identificação. O segredo, o silêncio e a solidão, são algumas das formas de preservar o que é importante. O lado do amor maternal, e a imagem da Virgem são talvez os aspectos mais fiéis para representar a essência deste arquétipo.
Com a Papisa aprendemos a atravessar o portal do santuário interno, do instinto à intuição; aprendemos a reconhecer o valor da auto-estima e da auto-suficiência, em pleno contacto com a Força-Mãe.